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Venham mais cinco – ou cinco mil. Ainda há trabalho no Reino Unido e, até março de 2019, somos todos bem-vindos. As dúvidas vêm depois


Não foi uma reunião da comunidade para a comunidade. Dessas já se tinham feito algumas e as dúvidas permaneciam. Desta vez foi o secretário de Estado do Ministério para a Saída da União Europeia que falou à comunidade portuguesa sobre o futuro que os espera depois do Brexit.

O Expresso falou com três portugueses que assistiram à sessão de esclarecimento e três coisas ficam claras: continuam a chegar centenas de portugueses ao Reino Unido, ninguém terá de se vir embora se chegar antes de março de 2019 e o processo de aquisição de residência será muito mais simples.

No entanto, ainda há muita gente no limbo, que se mostra um pouco cética quanto às intenções do governo em cuidar de quem “sempre contribuiu”

Podem estar quase meio milhão de portugueses no Reino Unido. Na segurança social estão inscritas 300 mil pessoas – só que este número não inclui, por exemplo, filhos menores, reformados que vieram de Portugal juntar-se aos filhos e outras pessoas impedidas de trabalhar, dependentes das famílias, que nunca pediram número fiscal. São muitas vidas que viram os seus planos cair na incerteza depois da decisão que os britânicos tomaram, há um ano e meio, para sair da União Europeia.

No entanto, os medos maiores, se não passaram, pelo menos foram-se dissolvendo na rotina atarefada de quem procura uma vida melhor.

João Noronha, jornalista, vive em Thetford, uma pequena vila em Norfolk, no centro-leste de Inglaterra, onde o rácio de portugueses em relação ao resto da população torna esta a localidade mais portuguesa do país. É aqui que há 12 anos se faz o jornal “As Notícias”, o mais antigo periódico em língua portuguesa.

Garante que estão a chegar mais pessoas todos os dias, e não só a Thetford como também a Manchester, a Edimburgo e ao sul do país. “Estão a chegar mais pessoas, é um erro pensarmos que as pessoas deixaram de emigrar e que a situação em Portugal está melhor ao ponto de poder satisfazer toda a gente.

As pessoas continuam a receber pouco quando trabalham e muitas não trabalham e aqui isso não existe. Quando começamos a trabalhar temos uma vida mais confortável, com perspetivas mais sólidas”, diz o jornalista, que recentemente falou com representantes da comunidade portuguesa em Manchester, que estão a receber “um número inédito de novos emigrantes”.

Para receber estas pessoas é preciso que as suas dúvidas quanto ao futuro do seu estatuto de emigrantes depois do Brexit fique claro. As dúvidas são muitas. “A comunidade colocou muitas, muitas perguntas sobre futuro e os representantes do governo tentaram responder a todas.

Há coisas que ainda não se podem saber, por exemplo se haverá novas taxas impostas aos produtos alimentares importados mas sobre a emigração as coisas ficaram um pouco mais claras”, diz João Noronha. “Ficámos mais esclarecidos sobre o futuro mais próximo: os subsídios não serão retirados às pessoas que, por exemplo, vivem de ajudas por estarem impossibilitados de trabalhar, que era um dos principais medos.

Também não seremos impedidos de trabalhar seja em que sector for, podemos entrar e sair à vontade e também nos foi dito que o processo de inscrição para termos cartão de residência será mais simples”, diz João Noronha ao telefone com o Expresso, depois da sessão de esclarecimento.

Esse processo simplificado tem sido uma das maiores lutas dos emigrantes europeus porque o primeiro documento que o Ministério da Administração Interna britânico disponibilizou para que as pessoas pedissem a residência era um calvário de 85 páginas que obrigava as pessoas a apresentar provas de que tinham descontado para o Estado durante pelo menos cinco anos.

Ora agora, segundo garantiu o secretário de Estado da Saída da União Europeia, Robin Walker, esse processo será muito mais rápido. “O que vim transmitir hoje é a certeza de que o documento comum oferece segurança e os passos que o Governo britânico está a dar para que seja convertido em lei, para que os portugueses que vivem no Reino Unido possam ter o estatuto de residente”, declarou à agência Lusa o responsável.

Uma das mudanças esperadas é a possibilidade de que uma pessoa possa provar que vive no Reino Unido há pelo menos cinco anos sem ser através da apresentação de descontos, o que ajudará, por exemplo, as mães que ficam em casa a tratar dos filhos e que não trabalham a garantir que podem ficar apresentando outros documentos, como cartas ou contas emitidas em seu nome para uma morada no país ao longo desse tempo.

Carla Barreto também vive em Thetford, onde gere uma instituição de solidariedade social destinada a ajudar os jovens (a maioria portugueses ou de expressão portuguesa) a ingressarem no mercado de trabalho, a Inspired Focus. Foi à reunião em Londres porque as necessidades dos emigrantes em Norfolk divergem das da comunidade em Londres, muito mais dispersa e muito maior. Em Thetford há muita imigração nova – a horticultura e a indústria de transformação alimentar continua a pedir mão-de-obra – mas também há muita gente que chegou antes da adesão de Portugal à CEE e ainda foi com visto de trabalho, a pedido do governo britânico – que precisava que gente para trabalhar.

Ao Expresso, diz que todos os dias as pessoas lhe fazem perguntas sobre o futuro. “Ainda há um estigma muito grande, há a percepção de que se não se estiver a trabalhar a tempo inteiro, ou se houver um espaço de alguns meses entre um emprego e outro, a inscrição será negada. Pareceu-me que a reunião foi positiva nesse sentido, de assegurar que a residência será agora mais fácil de adquirir desde que consigamos provar que estivemos cá os cinco anos necessários.”

Já Conceição Ganhão, que falou à Lusa na embaixada portuguesa durante o evento, não ficou assim tão convencida. “Sabemos que vai haver muita gente que não vai reunir condições (para a residência) e vai ter de voltar ao seu país de origem. A pergunta sobre que apoios vão dar essas pessoas não ficou respondida”, disse a dirigente da PT Connections, uma associação que ajuda imigrantes.

Carlos Ribeiro tem “várias famílias” dependentes de si, direta ou indiretamente. Como um dos sócios da Portobras, uma das maiores empresas de importação de produtos alimentares portugueses e brasileiros para o Reino Unido, emprega mais de 100 pessoas e quase todas já se dirigiram a ele com perguntas sobre o futuro. “Chegam aqui muitos casais novos para trabalhar, a mulher começa por ficar em casa com os filhos, ou porque ainda não conseguiu emprego, e então os meus colaboradores vêm perguntar-me se há problema, se elas terão de ir embora por não conseguirem residência. Há imensas dúvidas e tudo é especulação. Ora isso não ajuda nada as pessoas a sentirem-se seguras”, diz o empresário ao Expresso a partir de Londres. “Hoje fomos falar com membros do governo, que deveriam ter respostas oficiais mas certezas, certezas, a cem por cento, não temos. Tivemos algumas informações mais específicas e isso foi bom mas há coisas que ainda não foram respondidas.”

Carlos Ribeiro está preocupado com as novas taxas aduaneiras que podem vir a dificultar o sucesso do seu negócio mas isso ainda não foi discutido, na medida em que ainda não se sabe qual será o acordo comercial final que o governo da primeira-ministra, Theresa May, conseguirá de Bruxelas. Em atividade no Reino Unido há mais de 18 anos, Carlos Ribeiro tem uma carteira de clientes 80% preenchida pelas cores nacionais e diz que seria “bastante danoso” se deixasse de poder importar certos produtos, tanto para os restaurantes e supermercados portugueses como para o seu negócio. “A maioria dos meus trabalhadores está cá há dois anos, três, ainda não fizeram os cinco, alguns podem precisar de subsídios tanto para a educação dos filhos pequenos como, por exemplo, para os pais idosos, se eles quiserem vir. Até dia 29 de março, aparentemente nada muda, mas ainda não sabemos, por exemplo, se o acesso a essas ajudas será depois tão fácil como agora”, diz.

João Noronha ficou satisfeito com a sessão mas não se ilude. “A comunidade portuguesa, e todas as outras, terão de se reintegrar. Isto quer dizer que, quando o país sair da União Europeia, é muito possível que as leis comecem a mudar aos poucos, que deixem de ser tão permissiva. Possivelmente os subsídios não serão entregues aos estrangeiros com a facilidade de hoje, possivelmente será quase obrigatório falar o inglês para encontrar trabalho, o que não acontece hoje – qualquer europeu chega e, se quiser, pede logo ajudas sociais.”

Pouco depois de ter sido conhecida a decisão dos britânicos de saírem da União Europeia, João Noronha ficou preocupado com a comunidade mais jovem, que tinha vindo “fugida” da frustração com o mercado laboral em Portugal. “A nova geração já vem frustrada, desiludida com as situações de alguma precariedade que ainda se passam em Portugal. Chegam aqui e conseguem refazer a vida e nosso medo era que o Brexit os voltasse a enviar para o fosso, para a falta de oportunidades. Felizmente isso não aconteceu e cada vez chega mais gente. Não chega é suficiente para o trabalho todo que cá temos.”

EMBAIXADORA DO REINO UNIDO EM PORTUGAL: COMO DESTRONAR MITOS E MEDOS

Acabada de aterrar após a reunião com a comunidade, Kirsty Hayes, embaixadora do Reino Unido em Portugal, diz ao Expresso que considerou o encontro positivo mas que “são precisos mais eventos como este” para destronar “mitos e medos injustificados” que ainda se encontram nas comunidades de migrantes porque “a informação sobre os mais recentes desenvolvimentos nas negociações entre o Reino Unido e a União Europeia ainda é baixa”.

A embaixadora considera que o mais importante desta sessão de esclarecimento foi “a garantia” de que “os cinco anos de residência necessários para pedir o cartão não têm de ser cinco anos de trabalho consecutivos”, o que “dá segurança às pessoas que estavam com medo de não se poderem inscrever por esta razão”. Reforçando, tal como os outros membros do governo presentes na reunião, a simplificação do processo de pedido de cartão de residência, Kirsty Hayes refere ainda que um dos maiores obstáculos encontrados pelos europeus que pediram residência em 2017 também já desapareceu. “Havia a exigência de que as pessoas tivessem um seguro de saúde para quando não estejam a trabalhar e por isso muitas inscrições foram negadas. Isso agora já não é preciso.”

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